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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Caderno 3- As ordens do mundo


Com direção do cearense Aderbal Freire-Filho, atriz Drica Moraes encerra amanhã XV Festival de Guaramiranga



Depois de nove dias de programação, com apresentação de 40 diferentes montagens, o Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga fecha amanhã as cortinas de mais uma edição.
Para a noite de encerramento, está confirmada a visita da atriz Drica Moraes. Em cena, a partir do texto da escritora paulista Patrícia Melo — famosa por seus romances policiais e incursões pelo cinema, em filmes como “O homem do ano” (2003) e “O Xangô de Baker Street” (2001) — e direção do cearense Aderbal Freire-Filho, ela vive e sofre as dores de Helena. “Uma mulher obstinada em organizar o mundo, ordenando as informações, separando o que é bom do que é ruim”, resume a intérprete, em entrevista por telefone.

Em seu primeiro monólogo, Drica Moraes diz que sua personagem a seduziu, sobretudo, pela contemporaneidade de seu perfil.“Ela é isso tudo que nós todos somos. A minha personagem, quando se dispõe a organizar o mundo, na verdade, está querendo organizar seu mundo interior. Ela vive um caos pessoal que nos aproxima atualmente”, considera. Em “A ordem do mundo”, a dramaturgia de Patrícia Melo dá conta de uma realidade que parece não conviver bem consigo própria. Helena tem como trabalho — uma missão de vida, isso, sim — a responsabilidade por catalogar as informações publicadas pelos jornais, procurando, no popular, separar o joio do trigo. Infelizmente, o resultado não é lá muito proveitoso.“A gente lê diariamente quilos e quilos de jornal e essa informação toda não nos serve de nada. É como se o mundo fosse o mesmo dia após dia. Os escândalos se repetem, as guerras também parecem todas iguais... A gente meio que convive com uma certa frustração com essa ordem do mundo em que a gente aparentemente sabe muito, tem muita informação, mas tem pouco resultado prático de todo esse excesso”, justifica Drica Moraes.

Para além dessa angústia comum, a atriz observa que a peça adquire grande comunicabilidade com a platéia pelo fato de Helena ser uma personagem de hábitos corriqueiros.“Embora ela tenha essa pretensão de salvar o mundo. Para a Helena, a função que ela exerce é extremamente importante e necessária, ela é uma pessoa que sofre essas dores nossas do dia-a-dia”, pontua. “Enquanto ela se esforça em ordenar a humanidade, praticamente se perdendo em meio a pilhas e pilhas de jornal, se sentindo praticamente uma cientista, ela sofre com a demora do filho em voltar para casa, com o namorado que não liga e até com uma unha quebrada. Ela é uma mulher normal, que faz do mais banal um recurso de reflexão científica”, completa Drica Moraes.

Com muito humor, marca central de sua performance, a atriz tem arrancado aplausos por todo o Brasil com “A ordem do mundo”. Desde a estréia no último Festival de Teatro de Curitiba, em março, o espetáculo cumpriu temporadas seguidas no Rio de Janeiro, cruzando Capital e Interior do Estado. No Ceará, a montagem crupe percurso semelhante, passando por Guaramiranga já com agenda confirmada para Sobral (Teatro São João) e Fortaleza (Teatro Celina Queiroz, da Universidade de Fortaleza).

ENTREVISTA DRICA MORAES*

A gente lê quilos de jornal e essa informação não serve de nada´

O que está em jogo no momento em que um ator decide por um monólogo?

DM: O monólogo é um dos maiores desafios que o ator se impõe. Estar sozinho em cena, contracenar consigo próprio, exige muito do ator. Quando comecei a produzir “A ordem do mundo”, não estava interessada necessariamente por um monólogo. Queria uma peça de poucos personagens. Mas acabei me encantando pelo texto da Patrícia Melo. Essa mulher que ela põe em cena carrega um problema tão contemporâneo que resolvi aceitar esse desafio.

No espetáculo, sua personagem meio que funciona como uma crítica à tal sociedade da informação...

DM: Ela é isso tudo que nós todos somos. A gente lê diariamente quilos e quilos de jornal e essa informação toda não nos serve de nada. É como se o mundo fosse o mesmo dia após dia. Os escândalos se repetem, as guerras também parecem todas iguais... A gente meio que convive com uma certa frustração com essa ordem do mundo em que a gente aparentemente sabe muito, tem muita informação, mas tem pouco resultado prático de todo esse excesso. A minha personagem, quando se dispõe a organizar o mundo, na verdade, está querendo organizar seu mundo interior. Ela vive um caos pessoal que nos aproxima atualmente.

“A ordem do mundo” tem direção do cearense Aderbal Freire-Filho. Como foi a parceria de vocês?

DM: A melhor possível. O Aderbal é hoje o melhor diretor de teatro deste País. Foi uma honra trabalhar com ele. A direção do Aderbal é muito ágil e muito generosa. Ele tem uma consciência muito grande das nossas possibilidades e limitações como ator. No meu caso, por exemplo, nós trabalhos muito uma certa desnaturalização da personagem. A televisão, onde tenho trabalhado mais recentemente, apesar de fazer parte da Companhia dos Atores há mais de 20 anos, torna a nossa postura muito naturalista e o Aderbal me exigiu uma mudança nesse sentido. Com isso, a peça assume uma outra dimensão.

*Atriz

MAGELA LIMA
Repórter

Fonte: Diário do Nordeste

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