O resultado, diz ele, é a transformação da TV numa espécie de rádio, que as pessoas ‘vêem de costas, olham, saem e voltam’. Furtado afirma que seu trabalho é em outro sentido: ‘Faço uma coisa que, teoricamente, é para a pessoa sentar e assistir. Para assistir a tudo, prestando atenção’.
O próprio texto de ‘Decamerão’, baseado na coletânea de contos de Giovanni Boccaccio (1313-1375), vai exigir atenção do espectador: as falas são em versos, escritos por Furtado e Guel Arraes a partir do original. ‘Ninguém fala em verso. Quando tem uma coisa em verso, tu estabeleces imediatamente um distanciamento do realismo.’
‘TV portaria’
Para que não reste dúvida sobre a proposta antirrealista de ‘Decamerão’, há ainda a questão do tempo em que se passa a história, que é indefinido -ou definido pelo diretor como aquele tempo do ‘há muito tempo, num lugar distante’.
Mas, se ficar tão longe da realidade como deseja seu diretor, a série não corre o risco de perder público? ‘Essa era minha maior dúvida’, diz Furtado. ‘Por isso, a gente fez um antes [o especial de um episódio, exibido em janeiro] para ver qual é que era, porque poesia tende a ser assim: ‘Ah, coisa chata, erudita’. ‘A Pedra do Reino’, por exemplo, era mais hermético, não tinha uma comunicação. Mas não é o nosso caso. São poemas de linguagem popular.’
O que importa é ganhar o público sem apelar para o que chama de ‘TV portaria’. Em 2002, hospedado com a equipe num hotel para as filmagens de ‘O Homem que Copiava’, Furtado descobriu na TV do quarto um canal que exibia imagens da recepção em tempo real. ‘Eu ficava olhando a TV no quarto e me dei conta de que toda a equipe assistia’, lembra, rindo.
‘Tem uma compulsão pela realidade, com ‘Big Brother’, todos os realities, os blogs, o YouTube. E o atrativo é: isso realmente está acontecendo. Tudo bem. A ‘TV portaria’ está realmente acontecendo. O cara está realmente chegando com a pizza, está realmente entregando a pizza para a pessoa. E daí? Qual é o valor dramatúrgico disso? O que eu aprendo com isso? É quase que um voyeurismo, e eu acho que a poesia é outra coisa. A arte é uma outra coisa. Ou, pelo menos, pode ser outra coisa que não tem nada a ver com a realidade.’"
Fonte: Jornal Folha de SP
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