O saguão do imenso Teatro da Reitoria lotado da fina flor, perfumes fortes entranhados em roupas de missa, base, muita base (ainda se usa isso?) e a desconfortável impressão de que, mesmo no Festival de Curitiba, faz muita diferença para a bilheteria um elenco global. Mas julgar assim seria subestimar a exigente platéia de Curitiba. E fazer pouco de Drica Moraes – elenco inteiro e alma de “A ordem do mundo”, primeiro monólogo de sua carreira. Drica fez na noite dessa sexta-feira a estréia nacional da história (?) da verborrágica e raivosa “pesquisadora” do caos do mundo, que enquanto tenta achar lógica onde não há, demonstra por tabela o profundo desespero a que qualquer mulher de vez em quando se entrega. E por motivos bem mais prosaicos do que a fome na Somália ou as ameaças de pandemia.
A angústia da personagem não se alimenta só da constatação de que todas as catástrofes e mazelas do mundo não cabem em equações, classificações e fórmulas que ela se sente compelida – ou forçada ou escravizada por um chefe invisível, sei lá... - a criar. E ela que cria tanta catalogação, aliás, para ter certeza de que ela mesma ocupa um lugar importante nesse mundo artificialmente ordenado. O desespero vem do fato de que, enquanto a personagem insiste em colocar ordem, explicando a lógica por trás de uma infinidade de manchetes de jornal (é esse o trabalho dela), o caos inevitável toma conta da vida. Na unha que quebra, na caixa de antidepressivos que acaba, na chuva que cai fora de hora, no medo do passeio da escola do filho, no cara que não liga no dia seguinte... Tudo isso com doses cavalares de sarcasmo e uma (dês)elegância de perua-zona-sul-antenada que arranca gargalhadas da platéia.
A ação não é o forte no texto, de Patrícia Melo, que costura uma infinidade de tresloucadas conclusões sobre tudo – tudo mesmo - com base numa salada de filósofos e pensadores. Não há o riso nervoso, nem a crueldade dura de algumas das outras obras da escritora - como na adaptação de “Acqua Toffana” por Pedro Brício, por exemplo. Lá, a atriz Dani Barros (indicada ao Shell) interpreta um homem - também, a seu modo, maníaco por tudo em ordem - que desenvolve uma obsessão odiosa pela vizinha, levada às últimas conseqüências. Ali prevalece mesmo o aspecto rancoroso, arrogante e mau feito um pica-pau do personagem. Já em “A ordem do mundo”, Drica Moraes e a direção de Aderbal Freire Filho fizeram uma aposta no humor, muitas vezes físico, para extrapolar o caráter ridículo de todo tipo de arrogância.
O primeiro aplauso em cena aberta vem quando uma das conclusões brilhantes da personagem se arrasta no senso comum, mas com um twist de limão... “As mulheres só servem para que os homens se meçam”, cita a personagem, em tom professoral, após um longo discurso sobre como somos (somos?) traiçoeiras. Didaticamente, repete e acrescenta. “As mulheres só servem para que os homens se meçam... E se fodam!”
Ao fim do espetáculo, Drica espera o fim dos aplausos longos para agradecer à equipe e também à platéia, sem abandonar a ironia: “Vocês estavam ótimos.” Você também, Drica.
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